Casa: um objeto industrial

Casa: um objeto industrial

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Por Raymundo De Paschoal

Nas discussões sobre o problema habitacional no Brasil, aparece com frequência a proposta de que construtores, projetistas e demais agentes do mercado absorvam o contingente de desempregados de nossa sociedade. Acredita-se que a utilização de mão-de-obra não especializada é uma característica intrínseca da indústria da construção civil. Tal ideia constitui uma das grandes dificuldades na superação do caráter artesanal do setor, no qual a construção de um prédio ou de cada casa é encarada como um episódio isolado dos demais serviços correlatos.

(…) De outra parte, instrumentos edilícios como os Códigos de Obras e até mesmo leis reguladoras das relações contratuais de obras habitacionais não são suficientemente abertas para os avanços técnicos, tecnológicos e construtivos. Além disso, não atendem às características específicas das regiões ou cidades onde se aplicam e aos níveis tecnológicos e industriais ali existentes.

Tais instrumentos são, acima de tudo, mecanismos de punição e de restrições aos projetistas e construtores interessados na arte de bem construir. Isso sem falar da ignorância em relação aos usos de energias alternativas (solar, eólica, etc.), que seriam extremamente desejáveis em áreas onde as redes convencionais de serviços e de infraestrutura não estão presentes. Ou seja, exatamente onde se imagina que serão desenvolvidos os empreendimentos habitacionais de grande porte. É por isso que os ditos “planos habitacionais” referem-se apenas ao financiamento. Não estão vinculados à estratégia de ocupação do solo. (…)

O tratamento artesanal da construção, nos dois níveis até aqui comentados – o da própria concepção da produção habitacional e sua consagração nos instrumentos legais – reforça algumas outras idéias:

– Que todos são capazes sozinhos de construir suas casas, como o castor ou o João-de-barro. Ideia que vem se consolidando pela eleição dos defeitos e não das virtudes do processo.

– Que todos terão casa própria e o dinheiro para adquiri-la ou construí-la. Tais idéias afastam a discussão de habitabilidade, entendida como a existência do transporte, dos serviços e equipamentos. Afastam a discussão das possibilidades dos custos de manutenção de uma vida urbana, fatalmente agregados à “casa própria”. E afastam a tal ponto que a “casa própria” se transformou em prioridade e não a moradia, entendida em outros parâmetros de relações urbanas. Em resumo, se discute mais o dinheiro para a habitação do que as soluções propriamente ditas. Tudo em função de uma falsa prioridade do que seja “casa própria”.

– Que existe uma “habitação popular” e logicamente uma “não popular.” Tal classificação esconde a noção de produtos piores e melhores, menores e maiores e também atrapalha a discussão do que se poderia chamar de “habitação contemporânea”.

A “habitação popular” obviamente remetida às camadas de baixa renda é apenas a “não popular”, muito pior qualitativamente e de dimensões reduzidíssimas. As pequenas dimensões nem sempre são resultado da funcionalidade ou da escolha do tamanho ideal para se morar. Ao contrário, a diminuição dos tamanhos das residências dá-se pela necessidade do aumento da diferença entre os custos de produção e os preços de venda ou pelo dimensionamento do poder aquisitivo da população. Mas o mal não está necessariamente aí, nos lucros ou no fato de se construírem pequenas unidades residenciais. O problema, no caso, é a inexistência de um pensamento industrial para a casa ser proposta, como um objeto industrial que relacione a sua utilização com o seu tamanho e com a viabilidade de atender demandas. E de serem criadas condições de assentamento desses objetos no território urbano.

Deveriam ser “desmanchadas” algumas ideias para que se possa retomar alguns mecanismos de provisão habitacional, aliás, já cogitados em outras épocas. Para animar propostas da “habitação contemporânea” como produto industrial, será necessário partir para o encontro de vários interesses intervenientes, na montagem de projetos. (…)

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Comentários ( 5 )

  • Raymundo De Paschoal

    Fico honrado e satisfeito pelo destaque que fizeram para meu artigo; também por ressaltar, grifando conceitos ali contidos. Na matéria que fizemos para a Editora Pini, tanto nesta como numa anterior mais especificamente critiquei o Plano do Milhão de moradias, tocando em alguns aspectos dos financiamentos, também impeditivos de um avanço nas soluções e qualidade das edificações.
    Disposto estou ao diálogo com os amigos.
    Abraços
    Raymundo De Paschoal

  • Martha Nader

    Honrados ficamos nós pela visita e pelo comentário. Estaremos atentos ao conteúdo de seu blog, para não perder a oportunidade de divulgar aqui seus ótimos artigos. Aliás, incluímos um link para o seu blog a partir de seu nome.
    Abraços,
    Martha Nader

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  • Bianca

    Acabo de conhecer um sistema construtivo, que me parece o mais racional e simples de construir.
    Atualmente todas as construtoras estão procurando industrializar seus métodos.
    Uma solução fantástica para casas populares é a apresentada pela Tecwall (www.tecwall.com.br).
    De tudo o que há no mercado, esta me parece a melhor alternativa.
    Vale a pena conhecer.

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