Eduardo Souto de Moura: O local para o arquiteto é uma ferramenta

Eduardo Souto de Moura: O local para o arquiteto é uma ferramenta

A propósito da atribuição do Pritzker a Eduardo Souto de Moura, a PINIweb recupera uma entrevista que o arquiteto português concedeu à revista AU em dezembro de 2005. Publicamos alguns excertos em que Souto de Moura fala sobre o seu processo de projetar, estética vs função, arquitetura e natureza e Niemeyer.

Como é seu processo de projetar?
Varia conforme o programa. Geralmente são programas que conheço bem. Fiz muitas casas. Falo com o cliente para explicar bem, vou várias vezes ao sítio, mas não pretendo que o sítio me diga algo. Posso ter uma idéia desajustada, mas depois consigo ajustá-la. A solução nunca está no sítio, está em mim. Faço os primeiros desenhos e sempre faço maquete. Hoje é mais fácil, as fotos são feitas em digital e eu desenho por cima e testo nas maquetes as proporções. Depois faço um sistema de cruzamento de informações das primeiras idéias com as formas das maquetes. Muito cedo começo a trabalhar com os engenheiros para saber a viabilidade física e se a solução não é contra natura. Muitas vezes altero o projeto na própria obra. Por mais que os arquitetos tentem resolver os problemas há um que não conseguem: a escala, porque é de ordem subjetiva. Há um conjunto de fatores a serem analisados, o que a pessoa precisa e qual o seu território. Tem que se alternar a subjetividade com a objetividade até dizer: está lá. É um processo sinuoso. As primeiras idéias são rápidas, levo um fim de semana para projetar uma casa. Depois demora quatro, cinco anos para ela aparecer. Não penso em estética. Quem pensa em estética não chega lá. Estética é uma predisposição, um conjunto de problemas que não foram resolvidos. Se o poeta tem necessidade de escrever um poema, ele escreve. O arquiteto não pode dizer “vou fazer uma casa integrada na paisagem”. Ele tem que fazer uma construção muito friamente para resolver um problema. Se a disposição que ele usou ultrapassa o fenômeno do programa e da função, então surge a estética. A estética nunca é um ato voluntário.

Muitos arquitetos privilegiam a estética em detrimento da função…
Um professor meu que trabalhou com Niemeyer gostava de repetir uma frase dele: “a arquitetura tem que ser bela, se funcionar, melhor”. O fato é que isso não é verdade. Em qualquer croqui de Niemeyer a estrutura já está pronta. Cabe ao engenheiro direcioná-la. Portanto, a preocupação maior de Niemeyer não é a estética, ela é o suporte para que sua idéia exista. Quando ele desenha uma pessoa ao lado, já tem a escala.

O senhor tem uma relação de liberdade com a natureza. Costuma dizer que o “local é aquilo que você quer que ele seja”. Como se dá essa tensão entre a arquitetura e a natureza?
O lugar é uma construção mental. Fisicamente ele não interessa. É como uma pintura, uma natureza morta. Na medida em que eu giro a casa porque acho a vista para a montanha mais bonita, estou a construir o sítio. A montanha está entrando na construção da casa. Tenho que entender as ausências de energia no local. A construção do projeto é a construção de algo positivo. O objetivo é parecer que, no fim, o objeto está ali e não poderia deixar de estar ali. Se tirar, o sítio poderia ficar pior. O local para o arquiteto é um instrumento, uma ferramenta.

(…)

No caso do Estádio de Braga, o senhor mudou a implantação sugerida.
Entendi que ficava bem naquele morro. O monte precisava ser preenchido. Construí o monte de uma maneira diferente, cortei-o na forma de um estádio. Foi muito caro tirar a pedra. Fui criticado politicamente, economicamente e ecologicamente: “na natureza não se toca”. A natureza só me interessa quando é operada pelo homem. Uma paisagem virgem não me comove. Posso até achá-la bonita. Há um poema de Herberto Helder, que nunca deve ter ouvido falar em Mies (van der Rohe), que diz “trabalhar na transformação, na transmutação, é obra nossa”.

in PINIweb

entrevista completa aqui

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